terça-feira, 18 de agosto de 2015

As 5 Raças de Homens

     Pandora foi quem iniciou a degradação da Humanidade.

     Para Explicá-la, Hesíodo introduz o mito das Cinco Eras.

    No mito das Eras, as raças parecem suceder-se segundo uma ordem de decadência progressiva e regular.

     De início, a humanidade gozava de uma vida paradisíaca, muito próxima da dos deuses, mas, se foi degenerando e decaindo até atingir a Era ou Idade do Ferro, em que o poeta lamenta viver, pois nesta tudo é maldade: até a Vergonha e a Justiça abandonaram a Terra.

     Cada uma das Idades está “aparentada” com um metal, cujo nome toma e cuja hierarquia se ordena do mais ao menos precioso, do superior ao inferior: Ouro, Prata, Bronze, Ferro.

     O que surpreende é que Hesíodo tenha intercalado entre as duas últimas mais uma: – a Era dos Heróis, que não possui correspondente metálico algum.

    Há os que procuram explicar o fato por uma preocupação historicista, já que o poeta sabia que antes dele tinham vivido homens e heróis notáveis, que se imortalizaram em Tróia e em Tebas.

Hesíodo, Os Trabalhos e os Dias, tradução de Mary de Camargo Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 1990.

1ª Raça – Ouro

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… “Se queres, com outra estória esta encimarei; bem e sabiamente lança-a em teu peito! [Como da mesma origem nasceram deuses e homens.] Primeiro de ouro a raça dos homens mortais criaram os imortais, que mantêm olímpicas moradas. Eram do tempo de Cronos, quando no céu este reinava; como deuses viviam, tendo despreocupado coração, apartados, longe de penas e misérias; nem temível velhice lhes pesava, sempre iguais nos pés e nas mãos, alegravam-se em festins, os males todos afastados, morriam como por sono tomados; todos os bens eram para eles: espontânea a terra nutri fruto trazia abundante e generoso e eles, contentes, tranquilos nutriam-se de seus pródigos bens. Mas depois que a terra a esta raça cobriu eles são, por desígnios do poderoso Zeus, gênios corajosos, cônicos, curadores dos homens mortais. [Eles então vigiam decisões e obras malsãs, vestidos de ar vagam onipresentes pela terra]. E dão riquezas: foi este o seu privilégio real.”  (HESÍODO).

Os homens mortais da idade de ouro foram criados pelos próprios imortais do olimpo, durante o reinado de Cronos.

     Viviam como deuses e como reis, tranquilos e em paz.

     O trabalho não existia, porque a terra, espontaneamente,  produzia tudo para eles.

     Sua raça denomina-se de ouro, porque é o símbolo da realeza.

     Jamais envelheciam e sua morte assemelhava-se a um sono profundo.

     Após deixarem esta vida, recebiam o privilégio real, tornando-se intermediários na terra entre os deuses e seus irmãos viventes.

     Esses grandes intermediários, assumem em “outra vida” as duas funções que, segundo a concepção mágico-religiosa, definem a virtude benéfica de um bom rei: como guardiães dos homens, velam pela observância da justiça e, como dispensadores de riquezas, favorecem a fecundidade do solo e dos rebanhos.

     Curioso é que Hesíodo emprega as mesmas expressões, que definem os “reis” da Era de Ouro, para qualificar os “reis” justos do seu século.

     Os homens da Era de Ouro vivem como deuses; os reis justos do tempo do poeta, quando avançam pela assembleia e, por meio de suas palavras mansas e sábias, fazem cessar o descomedimento, são saudados como um deus.

     E assim como a terra, à época da Era de Ouro, era fecunda e generosa, igualmente a cidade, sob o governo de um rei justo, floresce em prosperidade sem limites.

      Ao contrário, o rei que não respeita o que simboliza seu cetro, afastando-se do caminho, transforma a cidade em destruição, calamidade e fome.

      É que, por ordem de Zeus, trinta mil imortais invisíveis vigiam a piedade e a justiça dos reis.

     Nenhum deles, que se tenha desviado, deixará de ser castigado, mais cedo ou mais tarde.

2ª Raça – Prata

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     Então uma segunda raça bem inferior criaram, argêntea, os que detêm olímpica morada; à áurea, nem por talhe nem por espírito, semelhante; mas por cem anos filho junto à mãe cuidadosa crescia, menino grande, em sua casa brincando, e quando cresciam e atingiam o limiar da adolescência pouco tempo viviam padecendo horríveis dores por insensatez; pois louco Excesso não podiam conter em si, nem aos imortais queriam servir nem sacrificar aos venturosos em sagradas aras, lei entre os homens segundo o costume. Então Zeus encolerizado os escondeu porque honra não davam aos ditosos deuses que o Olimpo detêm. Depois também esta raça sob a terra ele ocultou e são chamados hipotônicos, venturosos pelos mortais, segundos, mas ainda assim honra os acompanha.

     Foram mais uma vez, os deuses os criadores da raça de prata, que é também um metal precioso, mas inferior ao ouro.

Os homens da idade de prata mantêm-se afastados tanto na guerra, quanto dos labores campestres.

     Os “reis” da raça de prata se negam a oferecer sacrifícios aos deuses e a reconhecer a soberania de Zeus.

     Exterminados por Zeus, os homens da raça de prata, recebem, no entanto, após o castigo, honras menores é verdade, mas análogas às tributadas aos homens da Era de Ouro: tornam-se intermediários entre os deuses e os homens, mas agindo de baixo para cima, na outra vida.

     Além do mais, os mortais da raça argêntea apresentam fortes analogias com os Titãs: o mesmo caráter, a mesma função, o mesmo destino.

Orgulhosos e prepotentes, mutilam a seu pai Urano e disputamcom Zeus o poder sobre o universo.

     Os Titãs têm por vocação, o poder.

     Face a Zeus, todavia, que representa para Hesíodo a soberania da ordem, aqueles simbolizam o mando e a arrogância da desordem.

     De um lado, portanto, estão Zeus e os homens da Era de Ouro, projeções do rei justo; de outro, os Titãs e os homens da Era de prata, símbolos de seu contrário.

     Na realidade, o que se encontra no relato das duas primeiras eras é a estrutura mesma dos mitos hesiódicos da soberania.

3ª Raça – Bronze

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     E Zeus Pai, terceira, outra raça de homens mortais brônzea criou em nada se assemelhando à argêntea; era do freixo, terrível e forte, e lhe importavam de Ares obras gementes e violências; nenhum trigo eles comiam e de aço tinham resistente o coração; inacessíveis: grande a sua força e braços invencíveis dos ombros nasciam sobre as robustas partes. Deles, brônzeas as armas e brônzeas as casas, com bronze trabalhavam: negro ferro não havia. E por suas próprias mãos tendo sucumbido desceram ao úmido palácio do gélido Hades; anônimos; a morte, por assombrosos que fossem, pegou-os negra. Deixaram, do sol, a luz brilhante.

     Os homens da raça de bronze, consoante Hesíodo, foram criados por Zeus, mas sua matriz são os símbolos da guerra.

     Trata-se aqui da violência bélica, que caracteriza o comportamento do homem na guerra.

     Assim, do plano religioso e jurídico se passou às manifestações da força bruta e do terror.

     Já não mais se cogita de justiça, do justo ou do injusto, ou de culto aos deuses.

     Os homens da Era de bronze pertencem a uma raça que não come pão, quer dizer, são de uma era que não se ocupa com o trabalho da terra.

     Não são aniquilados por Zeus, mas sucumbem na guerra, uns sob os golpes dos outros, domados “por seus próprios braços”, isto é, por sua própria força física.

     O próprio epíteto da era a que pertencem esses homens violentos tem um sentido simbólico.

     Ares, o deus da guerra, é chamado por Homero na Ilíada, “de bronze”.

     No pensamento grego, o bronze, pelas virtudes que lhe são atribuídas, está vinculado ao poder que ocultam as armas defensivas: couraça, escudo e capacete.

     Se o brilho metálico do bronze reluzente infunde terror ao inimigo, o som do bronze entrechocado, essa voz, que revela a natureza de um metal animado e vivente, rechaça os sortilégios dos adversários.

     A par das armas defensivas, existe uma ofensiva também estreitamente ligada à indole e à origem dos guerreiros da Era do Bronze.

     Trata-se da lança ou dardo confeccionado de madeira especial.

As ninfas melíades, nascidas do sangue de Urano, estão intimamente unidas a essas árvores “de guerra” que se erguem até o céu como lanças, além de se associarem no mito a seres sobrenaturais que encarnam a figura do guerreiro.

Na Teogonia o poeta “gerou os grandes Gigantes de armas faiscantes (porque eram de bronze), que têm em suas mãos compridas lanças (de freixo) e as ninfas que se chamam Méliadas”.

     Assim entre a lança, atributo militar, e o cetro, atributo real da justiça e a paz, há uma diferença grande de valor e de nível.

     A lança há que submeter-se ao cetro.

    Quando isso não acontece, quando essa hierarquia é quebrada, normalmente para o guerreiro, a violência dele se apodera, por estar voltado inteiramente para a lança.

     Filhos da lança, indiferentes aos deuses, os homens da raça de bronze, como os Gigantes, após a morte, foram lançados no Hades por Zeus, onde se dissiparam no anonimato da morte.

4ª Raça – Herois

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     Mas depois também a esta raça a terra cobriu, de novo ainda outra, quarta, sobre fecunda terra Zeus fez mais justa e corajosa, raça divina de homens heróis e são chamados semideuses, geração anterior à nossa na terra sem fim. A estes a guerra má e o grito temível da tribo a uns, na terra Cadméia, sob Tebas de Sete Portas, fizeram perecer pelos rebanhos de Édipo combatendo, e a outros, embarcados para além do grande mar abissal a Tróia levaram por causa de Helena de belos cabelos, ali certamente remate de morte os envolveu todos e longe dos humanos dando-lhes sustento e morada Zeus Pai nos confins da terra os confinou. E são eles que habitam de coração tranquilo a Ilha dos Bem Aventurados, junto ao Oceano profundo, heróis afortunados, a quem doce fruto traz três vezes ao ano a terra nutre.

     A quarta era é a dos heróis, criados por Zeus, uma “raça mais justa e mais brava, raça divina dos heróis, que se denominam semideuses”.

Lendo-se, com atenção o que diz Hesíodo acerca dos heróis, nota-se logo que os mesmos formam dois escalões: os que, como os homens da era de bronze, se deixaram embriagar pela violência e pelo desprezo pelos deuses e os que, como guerreiros justos, reconhecendo seus limites, aceitaram submeter-se à ordem superior.

     O primeiro escalão, após a morte, são como os da Era de Bronze, lançados no Hades, onde se tornam mortos anônimos; o segundo, recebem como prêmio, a Ilha dos Bem Aventurados, onde viverão para sempre como deuses imortais.

Os Herois

Todas as culturas primitivas e modernas tiveram e têm seus heróis, mas foi particularmente na Hélade, que a estrutura e as funções do herói ficaram bem definidos.  E, apenas na Grécia os heróis desfrutaram um prestígio religioso considerável, alimentaram a imaginação e a reflexão, suscitaram a criatividade literária e artística.

     Via de regra, os heróis têm um nascimento complicado, como Perseu, Teseu, Hercules, e descendem de um deus com uma simples mortal.

     De qualquer forma, exatamente por ser um herói, a criança já vem ao mundo com duas virtudes inerentes à sua condição e natureza: a honorabilidade pessoal e a excelência, a superioridade em relação aos outros mortais, o que o predispõe a gestos gloriosos, desde a mais tenra infância ou tão logo atinja a puberdade.

     Dado importante, para que o herói inicie seu itinerário de conquistas e vitórias, é a educação que o mesmo recebe, o que significa que o futuro benfeitor da humanidade vai desprender-se das garras paternas e ausentar-se do lar, por um período mais ou menos longo, em busca de sua formação iniciática.

     A partida, a educação e, posteriormente, o regresso representam, o percurso comum da aventura mitológica do herói, sintetizada na fórmula dos ritos de iniciação separação-iniciação-retorno, partes integrantes e inseparáveis de um mesmo e único mito.

     Separando-se dos seus e, após longos rios iniciáticos, o herói inicia suas aventuras, a partir de proezas comuns num mundo de todos os dias, até chegar a uma região de prodígios sobrenaturais, onde se defronta com forças fabulosas e acaba por conseguir um triunfo decisivo. Ao regressar de suas misteriosas façanhas, ao completar sua aventura, o herói acumulou energias suficientes para ajudar a outorgar dádivas inesquecíveis a seus irmãos.

     Vários foram os mestres dos heróis, mas o educador-modelo foi o pacífico Quiron, o mais justo dos centauros, na expressão de Homero. Muitos heróis passaram por suas mãos sábias, na célebre gruta em que residia no monte Pélion: Peleu, Aquiles, Jasão…  Quiron era antes do mais, um médico famoso, onde seu saber enciclopédico fazia do educador de Aquiles um mestre na arte das disputas atléticas e, talvez, praticasse e ensinasse ainda a arte divinatória.

O herói é, em princípio, uma idealização e para o homem grego talvez estampasse o protótipo imaginário da suma probidade, o valor superlativo da vida helênica.

     É importante afirmar que os heróis eram física e espiritualmente, superiores aos homens.

Sob esse enfoque, o herói surge aos nossos olhos, com alto, forte, destemido, triunfador.

     Se o herói tem um nascimento difícil e complicado; se toda a sua existência terrena é um desfile de viagens, de arrojo, de lutas, de sofrimentos, de desajustes, de incontinência e de descomedimento, o último ato de seu drama a morte, se constitui no ápice de sua prova final: a morte do herói ou é traumática e violenta ou o surpreende em absoluta solidão. A morte do herói transforma-o num intermediário entre os homens e os deuses, num escudo poderoso que protege a pólis contra invasões inimigas, pestes, epidemias e todos os flagelos. Participa de uma imortalidade de cunho espiritual, garante a perenidade de seu nome, tornando-se um modelo exemplar para quantos se esforçam por superar as condições efêmera do mortal e sobreviver na memória dos homens.

5ª Raça – Ferro

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  Antes não estivesse eu entre os homens da quinta raça, mais cedo tivesse morrido ou nascido depois. Pois agora é raça de ferro e nunca durante o dia cessarão de labutar e penar e nem à noite de se destruir; e árduas angústias os deuses lhes darão. Entretanto a esses males bens estarão misturados. Também esta raça de homens mortais Zeus destruirá, no momento em que nascerem com têmporas encanecidas. Nem pai a filhos se assemelhará, nem filhos a pai; nem hóspedes a hospedeiro ou companheiro a companheiro, e nem irmão a irmão caro será, como já havia sido; vão desonrar os pais tão logo estes envelheçam e vão censurá-los, com duras palavras insultando-os; cruéis; sem conhecer o olhar dos deuses e sem poder retribuir aos velhos pais os alimentos; [com a lei nas mãos, um do outro saqueará a cidade] graça alguma haverá a quem jura bem, nem ao justo nem ao bom; honrar-se-á muito mais ao malfeitor e ao homem desmedido; com justiça na mão, respeito não haverá; o covarde ao mais viril lesará com tortas palavras falando e sobre elas jurará. A todos os homens miseráveis a inveja acompanhará, ela, malsonante, malevolente, maliciosa ao olhar. Então, ao Olimpo, da terra de amplos caminhos, com os belos corpos envoltos em alvos véus, à tribo dos imortais irão, abandonando os homens, Respeito e Retribuição; e tristes pesares vão deixar, aos homens mortais. Contra o mal força não haverá.

     No mito de Prometeu e Pandora, Hesíodo nos dá um panorama da Era de Ferro: doenças, a velhice e a morte; a ignorância do amanhã e as incertezas do futuro; a existência de Pandora, a mulher fatal, e a necessidade premente do trabalho. Uma junção de elementos tão díspares, mas que o poeta de Ascra distribui num quadro único. As duas Érides, as duas lutas, se constituem na essência da era de ferro.

     A causa de tudo foi o desafio a Zeus por parte de Prometeu e o envio de Pandora.  Desse modo, o mito de Prometeu e Pandora forma as duas faces de uma só moeda: a miséria humana na Era de Ferro.

     A necessidade de sofrer e batalhar na terra para obter o alimento é igualmente para o homem a necessidade de gerar através da mulher, nascer e morrer, suportar diariamente a angústia e a esperança de um amanhã incerto.

    É que a Era de Ferro tem uma existência ambivalente e ambígua, em que o bem e o mal não estão somente amalgamados, mas ainda são solidários e indissolúveis.

     Eis aí por que o homem, rico de misérias nesta vida, não obstante se agarra a Pandora, “o mal amável”, que os deuses ironicamente lhe enviaram.

     Se este “mal tão belo” não houvesse retirado a tampa da jarra, em que estavam encerrados todos os males, os homens continuariam a viver como antes, “livres de sofrimento, do trabalho penoso e das enfermidades dolorosas que trazem a morte”.

     As desgraças, porém despejaram-se pelo mundo; resta, todavia, a Esperança, pois afinal a vida não é apenas infortúnio: compete ao homem escolher entre o bem e o mal.

Pandora é, pois, o símbolo dessa ambiguidade em que vivemos. Em seu duplo aspecto de mulhere de terra, Pandora expressa a função da fecundidade, tal qual se manifesta na Era de Ferro na produção de alimentos e na reprodução da vida.

     Já não existe mais a ambundância espontânea da Era de Ouro; de agora em diante é o homem quem desposita a sua semente no seio da mulher, como o agricultor a introduz penosamente nas entranhas da terra.

     Toda riqueza adquirida tem, em contrapartida, o seu preço. Para a Era de Ferro a terra e amulher são simultâneamente princípios de fecundidade e potências de destruição: consomem a energia do homem, destruindo-lhe, em consequência, os esforços; “esgotam-no, por mais vigoroso que seja”, entregando-o à velhice e à morte, “ao depositar no ventre de ambas” o fruto de sua fadiga.

Texto escrito por: Lilia Cristina de Souza Machado nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de fevereiro de 1957, é aquariana, graduada em Inglês pela Cambridge University, graduada em História pela Universidade Veiga de Almeida, pós-graduada em Arte e Cultura, na Universidade Cândido Mendes, e estudante do conhecimento humano, especialmente dos ramos do imaginário.

Fonte: http://herculeseseus12trabalhos.wordpress.com/